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Sérgio Branco

atributos da própria pessoa. Por outro lado, os direitos morais de autor existem em função de uma criação externa – dependem de uma obra distinta da própria pessoa para que possam se manifestar juridicamente. Este é o argumento apresentado por Pascal Kamina, citado por Bruno Lewicki[1].

Finalmente, ao argumento de que os direitos morais seriam um direito de personalidade porque ligariam indissoluvelmente a obra ao autor, é possível lembrar que diversos são os autores que publicam obras sob pseudônimos ou anonimamente, o que parece anunciar, em determinados casos (ainda que excepcionais) exatamente uma certa indiferença quanto ao suposto vínculo entre a obra e sua personalidade[2]. Também por isso, então, torna-se enfraquecido o argumento que defende ser o direito moral de autor um direito de personalidade.

Com isso, voltamos à teoria de José de Oliveira Ascensão, que – já o mencionamos – nos parece a mais adequada.

Ao qualificar o direito autoral como um direito de exclusivo, tal qualificação se presta a definir a natureza tanto dos direitos patrimoniais quanto dos direitos morais do autor, sendo portanto mais abrangente do que a teoria que encara os direitos autorais como um direito sui generis, ou híbrido, um misto de direitos reais com direitos de personalidade, que aparentemente prevalece na doutrina.

Para Ascensão, “também as faculdades pessoais ínsitas no direito de autor não prejudicariam a qualificação deste direito como um direito de exclusivo, ainda que o aspecto patrimonial não fosse predominante. Porque elas se consubstanciam igualmente em exclusivos relativos à obra. O direito de conservar a obra inédita, o direito de ter o nome inserto na obra ou o direito de modificar são elementos do exclusivo e concorrem para aquele exclusivo global que é atribuído ao autor”[3].

Aqui cabe apenas uma observação. Concordamos com o fato de que o direito de exclusivo se presta a justificar os direitos morais do autor enquanto a obra se encontra

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  1. “Já criticamos a entranhada, por mais que se a negue, associação entre o exercício dos direitos patrimoniais do autor e aquele do domínio no âmbito “clássico” da propriedade; mas deve ser observado que a automática equiparação dos direitos morais de autor aos direitos de personalidade não é menos daninha que aquela entre faculdades patrimoniais e exercício dominial. Em tão instigante quanto incisivo trecho, Pascal Kamina afirma que os direitos morais de autor não são direitos da personalidade. Assim como as faculdades patrimoniais, os direitos morais são direitos que uma pessoa exerce para proteger algo externo a ela – sua obra. Difere, desta forma e por exemplo, do direito à honra, que é um atributo da própria pessoa”. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Tese de Doutorado defendida perante a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2007; p. 68.
  2. Alguns exemplos podem ser apontados. “Na Idade Média, a reprodução material se dava principalmente nos monastérios, provavelmente sem fins lucrativos, objetivando principalmente a disseminação de temas religiosos. A identificação da autoria não era revelada, pois a elaboração e reprodução da obra era executada dentro do monastério, dificultando ou até impedindo a autoria individual. Pode-se considerar que havia, na organização da produção cultural da Idade Média nestes locais, a estrutura primária das futuras obras coletivas”. SOUZA, Allan Rocha de. A Função Social dos Direitos Autorais. Campos dos Goytacazes: ed. Faculdade de Direito de Campos, 2006; p. 37. Mais recentemente, o surgimento em número cada vez maior de obras colaborativas, nas quais é impossível se identificar o autor, apenas corrobora este entendimento.
  3. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 614.