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O domínio público no direito autoral brasileiro
– Uma Obra em Domínio Público –

Durante muitos séculos, a criação a partir de obras alheias não causou maiores especulações sociais ou jurídicas. Era um fato. Até a invenção da prensa mecânica por Guttemberg, no século XV, todas as obras literárias eram copiadas e anotadas manualmente – e a cópia e os comentários a elas apostos eram vistos como uma forma de difundir o conhecimento. Além disso, Shakespeare escreveu Medida por Medida sem se preocupar com violação dos direitos à peça Elizabetana Promos e Cassandra, escrita cerca de vinte e cinco anos antes de sua própria obra e na qual se inspira. Nem tampouco Milton se indagou se estaria violando direitos autorais do Velho Testamento ao escrever sua obra-prima Paraíso Perdido[1].

No entanto, sempre que o ser humano atravessou uma revolução tecnológica (o advento da imprensa no século XV, a revolução industrial dos séculos XVIII e XIX e a revolução da internet que agora vivemos), uma das consequências diretas foi a tentativa de proteger os direitos autorais. A cada ato de proteção, retira-se da sociedade, por outro lado, a liberdade de uso de determinadas obras. A experiência ao longo do último século foi no sentido de que quanto mais o tempo passa, menos ampla (juridicamente) se torna a possibilidade de acesso e de uso de obras alheias.

A questão do acesso e da criação a partir de trabalhos intelectuais de terceiros e dos elementos culturais disponíveis tem se prestado cada vez mais a calorosos debates[2]. De um lado, há autores que defendem maior acesso às obras intelectuais de modo a se permitir liberdades mais expressivas de criação. De outro, autores propõem maior proteção aos direitos autorais, limitando-se dessa forma o acesso e reaproveitamento das obras por parte da sociedade. Algo, entretanto, é certo: quanto mais extenso o domínio público, maior o manancial para a (re)criação livre.

A discussão acerca da proteção conferida aos direitos autorais abrange inevitavelmente tratar da estrutura e da função jurídica do domínio público. Adicionalmente, podemos encarar o domínio público como elemento importante na construção da educação e do acesso ao conhecimento.

De modo simplificado, e apenas por ora – já que a questão será retomada com mais profundidade adiante, o domínio público pode ser inicialmente definido como o conjunto de obras cujo prazo de proteção por direitos autorais já tenha expirado.

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  1. Exemplos apresentados por LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Harvard University Press, 2003; pp. 66-67.
  2. Entre outros exemplos de autores que vêm se dedicando à análise da questão, podemos citar: BOYLE, James. The Public Domain. Cit.; LESSIG, Lawrence. Free Culture – How Big Media Uses Technology and the Law to Lock Down Culture and Control Creativity. New York: The Penguin Press, 2004, Remix. New York: The Penguin Press, 2008; TAPSCOTT, Don e WILLIAMS, Anthony D. Wikinomics – How Mass Collaboration Changes Everything. New York: Portfolio, 2007. E em sentido oposto ao defendido pelos demais autores: KEEN, Andrew. O Culto do Amador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.