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Sérgio Branco

Alguns exemplos curiosos reúnem os três elementos acima: adaptação de obra em domínio público que resistiu à passagem do tempo, em evidente exercício de reciclagem. Recentemente, surgiu uma série de livros que se apropriam de obras famosas (todas em domínio público) para integrá-las na cultura pop.

A mais notória até o momento é “Orgulho e Preconceito e Zumbis”. O escritor e roteirista Seth Grahame-Smith tomou como base o famoso romance de Jane Austen e inseriu os zumbis por sua própria conta[1]. Segundo seus cálculos, 85% de seu romance foi escrito por Jane Austen, tendo ele contribuído com os outros 15%[2]. Mas foram exatamente esses 15% que fizeram do livro um sucesso editorial[3]. Tanto que a mesma editora publicou “Razão e Sensibilidade e Monstros Marinhos” ainda em 2009 e, em 2010, “Androide Karenina[4].

Porém, não apenas a possibilidade de obter sucesso com obras derivadas nem estimular a criatividade justificam economicamente a existência do domínio público[5]. Ambas as situações dizem respeito diretamente a quem cria. Mas provavelmente o aspecto mais relevante diz respeito ao acesso por parte da sociedade.

Enquanto uma obra se encontra protegida, é normal que apenas um titular regularmente autorizado pelo autor possa auferir vantagens econômicas por sua exploração. Entretanto, quando a obra ingressa em domínio público, qualquer pessoa – física ou jurídica – pode passar a explorá-la da mesma forma.

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  1. Matéria do suplemento literário Prosa e Verso, de 20 de março de 2010, do jornal “O Globo” informa como surgiu a ideia: “[a]té o ano passado, a Quirk Books era uma editora desconhecida que publicava livros como ‘As vidas secretas dos grandes artistas’ e ‘O Manual de Batman’. O editor Jason Rekulak matava o tempo livre no YouTube vendo mash-ups, vídeos que misturam trechos de clipes, filmes e programas de TV. Inspirado neles, criou uma forma de aplicar as técnica ao seu ramo: fez uma lista de clássicos com direitos autorais em domínio público (Dickens, Tolstoi, Jane Austen) e uma de coisas que fazem todo mundo rir (zumbis, monstros marinhos, ninjas). Bastou ligar os pontos”. FREITAS, Guilherme. Jane Austen Reencarnada. Caderno Prosa e Verso, O Globo, 20 de março de 2010; p. 6.
  2. Curiosamente, e em razão da preservação dos direitos morais de autor a que Jane Austen faz jus, o livro circula com a curiosa autoria de “Jane Austen e Seth Grahame-Smith”.
  3. Segundo a mesma matéria jornalística anteriormente citada, o propósito do autor de “Orgulho e Preconceito e Zumbis” não foi “caçoar” de Jane Austen. “Queríamos amplificar seus temas e preservar o que ela fez. Acrescentando zumbis”, afirma. E acrescenta: “[o]s personagens dela [Austen] são muito contidos, seus conflitos são sempre internos. Então decidimos que os zumbis seriam uma forma de exteriorizar esses conflitos. Toda vez que alguém está sofrendo, ou tem os sentimentos feridos, os zumbis aparecem”. Naturalmente, o livro já conta com uma adaptação cinematográfica, prevista para 2011. FREITAS, Guilherme. Jane Austen Reencarnada. Caderno Prosa e Verso, O Globo, 20 de março de 2010; p. 6. De acordo com outra matéria publicada no jornal “O Globo” de 26 de dezembro de 2010, “Novo ‘boom’ de Jane Austen” (Segundo Caderno, p. 6), “[q]uase 200 anos após sua morte, em 1817, Jane Austen ainda é lida, discutida, filmada, adaptada e reinventada por aí, tanto na vida real quanto na internet. Exemplos não faltam. Da Índia aos EUA, novos filmes baseados em seus livros estão sendo preparados ou recém-chegaram aos cinemas. Em 2010, um romance e uma graphic novel misturaram seus personagens mais famosos com zumbis. E um dos vídeos mais bacanas da internet em 2010, “O clube da luta de Jane Austen”, que faz graça com o universo da autora, bateu a marca de um milhão de acessos”.
  4. A prática chegou também ao Brasil, onde foram publicados livros como “Dom Casmurro e os Discos Voadores”, de Machado de Assis e Lúcio Manfredi; “A Escrava Isaura e o Vampiro”, de Bernardo Guimarães e Jovane Nunes e “Senhora, a Bruxa”, de José de Alencar e Angélica Lopes.
  5. Sobre a relação entre domínio público e o ofício dos escritores, ver THOMPSON, Bill. The Public Domain and the Creative Author. Intellectual Property – The Many Faces of the Public Domain. Cheltenham: 2007.