Página:O Dominio Publico no Direito Autoral Brasileiro.pdf/97

Wikisource, a biblioteca livre
O domínio público no direito autoral brasileiro
– Uma Obra em Domínio Público –

Discute-se muito se o rol apontado no art. 46 da LDA seria taxativo. Em sua grande maioria, a doutrina entende que sim[1]. Contra essa interpretação, insurge-se Bruno Lewicki, com argumentos a nosso ver irrefutáveis[2].

O capítulo das limitações aos direitos autorais previstas na LDA se estende por apenas 3 artigos[3]. No primeiro, o art. 46 da LDA (abaixo transcrito), são apresentadas de maneira pontual e pouco sistematizada as hipóteses em que o uso de obra de terceiro não configura violação aos direitos autorais. O art. 47[4] trata de paráfrases e paródias e o art. 48, que fecha o capítulo, dispõe a respeito das obras situadas permanentemente em logradouros públicos[5].

81

  1. A título de exemplo, podemos citar os seguintes excertos: “[c]omo disposições excepcionais, as limitações devem ser interpretadas restritivamente. Só permitem atos expressamente previstos”. HAMMES, Bruno Jorge. O Direito de Propriedade Intelectual. Cit.; p. 92. “O rol das obras [sic] que independem de prévia autorização do autor para seu uso público é taxativo, porque a limitação é uma exceção à regra geral, e no dia em que o legislador deixar de considerá-la como tal, passará automaticamente a demandar autorização prévia para seu uso”. ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit.; p. 146. “Por outro lado, enumera taxativamente as hipóteses de uso livre (...)”.BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Cit.; p. 70.
  2. Em síntese: “[t]ambém cai por terra, registre-se, o dogma da ‘taxatividade’ das limitações, ou seja, o seu suposto caráter numerus clausus. Não só as limitações que compõem o rol da lei autoral podem ser interpretadas extensivamente ou aplicadas por analogia como é, ainda, possível pensar em limitações não expressamente previstas. Vislumbre-se a seguinte hipótese: certo estudioso está escrevendo livro sobre determinada fase da obra de famoso pintor. Sua tese gira em torno da suposta influência que específico quadro pintado por aquele artista teria exercido sobre diversas escolas posteriores, principalmente pelo uso da cor – ideia esta que nunca fora suscitada pelos historiadores da arte. É de se supor que se ele tivesse acesso a uma fotografia que reproduzisse o quadro, dificilmente se poderia negar a ele o exercício do direito de citá-lo, isto é, ilustrar seu livro com aquela fotografia. Mas se tal fotografia não existe, e o quadro está com os herdeiros do autor, por exemplo? Depende o escritor da decisão discricionária da família para ter acesso à obra?”. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Cit.; p. 174.
  3. Bruno LEWICKI critica fortemente a divisão tripartida da matéria na LDA, ao afirmar que “[m]anter a divisão do tema em três artigos, por exemplo, não traduz nenhum fundamento racional; mais lógico seria se vários fossem os artigos, cada um descrevendo determinada situação (como no Projeto Barbosa-Chaves), principalmente se eles fossem encimados pelos princípios ou postulados que, comuns a todas as limitações, regessem a matéria – e neste ponto é inevitável pensar nos dois últimos ‘passos’ do teste de Berna, além da função social do direito de autor, por exemplo. No limite, que as limitações fossem comprimidas em um extenso dispositivo; a divisão tripartida, contudo, não atende a nenhum critério racional, perfazendo técnica legislativa ruim”. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Cit.; p. 110.
  4. Art. 47: São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
  5. A LDA prevê, em seu art. 48, que “as obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais”. No entanto, a lei não esclarece se tais usos podem ter fim comercial, o que vem acarretando algumas discussões recentes. Depois de, em 2004, a família de Paul Landowski, autor do Cristo Redentor, ter questionado o uso do Cristo por conta de a obra ainda estar protegida, o mesmo monumento voltou a ser alvo de controvérsia em razão de seu uso. Em 2010, a Arquidiocese do Rio de Janeiro decidiu cobrar da Columbia Pictures indenizaçõa pela “destruição” computadorizada a que o Cristo Redentor foi submetido no filme “2012”. De acordo com matéria publicada em http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u698222.shtml (acesso em 06 de setembro de 2010), a Arquidiocese não cobraria pelo uso iconográfico do monumento, mas teria um suposto poder de veto. A LDA parece ser clara em permitir a representação audiovisual de obras situadas permanentemente em logradouros públicos, de modo que esse alegado poder de veto não nos parece legítimo. A respeito da titularidade de direitos autorais sobre o Cristo Redentor, texto com vasta referência histórica é “O Direito Autoral sobre o Cristo Redentor”, de autoria de Gabriel F. Leonardos e Aline Ferreira de C. da Silva, publicado na Revista da ABPI, n. 106, pp. 53 e ss. Um caso semelhante foi levado à apreciação do poder judiciário francês. Em 1999, a Corte de Cassação da França decidiu que as Edições Dubray deveriam indenizar a proprietária do Café Gondrée por terem colocado à venda cartões postais com foto da fachada do referido café, sem que houvesse sido solicitada autorização de sua proprietária. Ocorre que as fotos foram produzidas a partir de local público, sem que qualquer invasão ao imóvel propriamente dito tivesse sido perpetrada. A decisão foi bastante criticada – e com razão. Afinal, atribuir ao proprietário do imóvel direito de impedir sua reprodução fotográfica equivale a lhe conferir, por modalidade não prevista em lei, status idêntico ao do autor, com uma agravante: o proprietário poderia se valer de tal direito perpetuamente, enquanto o autor o teria limitado no tempo. Em segundo lugar, parece tratar de maneira perigosamente diferente as obras que se confundem com seu próprio suporte físico (pinturas, esculturas, construções públicas) e as demais (textos, fotografias, música e obras audiovisuais). Finalmente, diminui injustificadamente a abrangência do domínio público. Conforme disponível em http://www.aacc.fr/pages/page.php?page=21 e http://www.courdecassation.fr/publications_cour_26/rapport_annuel_36/rapport_2004_173/troisieme_partie_jurisprudence_cour_180/activites_economiques_commerciales_financieres_196/droit_propriete_6532.html. Acesso em 28 de agosto de 2010. Finalmente, de acordo com matéria publicada no blog do Los Angeles Times (http://latimesblogs.latimes.com/babylonbeyond/2008/02/egypt-copyright.html; acesso em 06 de setembro de 2010), o governo egípcio estaria tentando estender a proteção autoral às famosas pirâmides, de modo a poder cobrar por sua representação. Publicada em 2008, a intenção do governo parece não ter tido outro desdobramento.