Página:O Gaucho (Volume I).djvu/67

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braveza e cólera acesas na próxima luta. O pêlo riçado ia-se aveludando, as ranilhas de suspensas pousavam sobre a relva, enquanto os flancos clássicos, alongando-se, perdiam a torção dos músculos, retraídos para o salto.

Lentamente, a passo e passo, aproximou-se o gaúcho, até que pôde estender-lhe a mão sobre a espádua. A égua arisca arrufou-se de novo. Rápido foi o assomo; outra vez soara a seu ouvido, mais terno e plangente, o débil ornejo, ao tempo que a mão, instrumento e condutor d’alma humana, alisava-lhe a anca e a selada com um doce afago.

Estava o generoso bruto aplacado e calmo, mas ainda não rendido. Cingiu-lhe Manuel o colo garboso com abraço de amigo, e encostou-lhe na cabeça a face. Os olhos de ambos se embeberam uns nos outros e se condensaram em um mesmo raio, que fluía e refluía da pupila humana à pupila eqüina.

Que palavras misteriosas balbuciavam os lábios do gaúcho ao ouvido do indômito animal, com a mão a titilar-lhe os seios, e os olhos a se engolfarem no horizonte límpido por onde se dilatavam os pampas?