Página:O Inferno (1871).pdf/100

Wikisource, a biblioteca livre
80
O INFERNO

das penas eternas, todo movimento paralysaria, se instinctivamente, e por necessidade de viver, não viesse o esquecimento d'esse tremendo futuro. A esperança do ceo não bastaria a contrabalançar os effeitos de tal susto, mormente quando nos affiançam que a porta do ceo é estreita, e que o inferno tem milhares de portas sempre abertas. Á medida que esta crença se incutir nas turbas, assim ellas hão de lidar por esquecel-a, abafando-a no seio, sem querer sequer meditar n'isso. Quanto mais pura, exigente, austera e angelica fôr a vossa moral, tanto mais impraticavel vol-a hão de considerar; e, se a fundamentaes no inferno, fechar-se-hão os ouvidos ao vosso apostolado, e ninguem quererá sequer aproximar-se d'aquella perfeição immaculada, que sómente florece em estufas claustraes, que se desbota ao leve bafejo do homem, e só está ao alcance de ociosos.

Se no inferno tão sómente fossem castigados certos crimes monstruosos e excepcionaes, mas claramente definidos, taes como o assassinio, o incesto, o estupro, poder-se-hia ainda examinar a justiça de tão exorbitante penalidade: ao menos cada qual sabia quando lhe era applicada a pena. Porém, se vão ás chammas eternas o aváro, o glotão, o preguiçoso, o prodigo, o orgulhoso, o invejoso, o impaciente, o maledico, o voluptuoso, o incontinente, o ambicioso, o calumniador, o usurario, o mentiroso, o hypocrita, o lisongeiro, o ingrato, o philosophante, o rebelde, etc., etc., etc., congela-se o sangue nas veias; ninguem