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O INFERNO
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ousa vender, comprar, emprestar, traficar, fallar, pensar, beber, comer, respirar; por quanto, quem sabe onde começa a avareza? o orgulho? e a lisonja, reverendissimos senhores, onde começa a lisonja? e a usura? e os limites da temperança quem os abalisou? Occasiões, tentações e perigos em tudo!

A questão não é saber se ahi ha crimes hediondos e puniveis: ninguem nega que os haja; — o que se tracta é de saber se é racional e discreto, e se os bons costumes lucram, que nos ameacem com eternos castigos, por peccados que mal podem definir-se. Quem ha ahi isempto de seu tanto ou quê de orgulho? Quem se presume bastante sobrio, bastante comedido nos prazeres licitos, menos egoista em suas legitimas affeições, menos desinteressado em seus lavores e mercantilismo, bastante paciente nos revezes e resignado nas desgraças? Quem se crê assaz justo, caritativo e perfeito? Ao parecer dos theologos, uma tal presumpção seria peccado capital, até nos conventos, até para os anachoretas envelhecidos em abstinencias e orações. Ninguem sabe ao certo o momento, o ponto em que um acto licito descahe no illicito; que dóse de alimento quadra á sua saude, e onde no rico principia o superfluo, que é o necessario do pobre. Para que vem seis pratos á meza? Se um basta, para que são dois? A regra onde está?

Cautela! esse copo que chegaes aos beiços risonhos, em vez de vos apagar a sêde, vae abrazar-vos em sêde eterna. Cautela! Theologo nenhum poderá