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O INFERNO

haviam regalado com as taes caricaturas, tremiam tambem. Sim, meu Deus, é verdade. Mas circumvagae a vista, e dizei-nos se, a tal respeito, a sociedade mudou. A mesma educação religiosa não produz continuamente identicos phenomenos? Acreditam no inferno os epicuristas, os trampolineiros, os usurarios, os prodigos e os ladrões, os famintos e os repletos, os invejosos e os ingratos, os indifferentes e os chasqueadores? No intimo da alma guardam elles as superstições das amas: que farte o denotam na vida, e principalmente na morte. Em quanto são moços, ageis, febris de saude e esperança, repulsam uma crença que lhes tornaria maldita a mocidade, a saude, a força, a razão de todas as dadivas do céo. Quando caducam, infermam e agonisam, espantam-se de haver ardido em desejos que já não tem, e haver motejado praticas que se lhes agora figuram facilimas. É chegada então a hora e situação conveniente para intender a moral do inferno, que é a privação em tudo e por tudo, — a morte na vida.

Singular crença que não infrêa o maior numero de homens, quando o freio lhes é mais preciso; e quando o retêl-os é já inutil, e mais necessaria lhes seria a esperança, então, á entrada da sepultura, lhes sahe espantadora! Levado por ella vae o anachoreta ao suicidio, e o mundano ao embrutecimento. Esteril em verdadeiros dons, fertil em verdadeiros males, a crença no inferno bestialisa, desalenta, desespera, endurece. Melhor é esquecel-o á maneira das turbas,