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O INFERNO
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que pensar demasiado n'ella, que tanto monta sentir vertigens, sentir estontecida a cabeça á roda d'esse abysmo que vos attrahe e sorve. Mais algum prazer ou menos, defendido ou não, que faz? Lá no inferno não estaremos melhor nem peormente; a eternidade não terá hora menos ou hora mais. Constrangermo-nos para quê? Não ha termo medio entre o bem e o mal absolutos. Tudo que é humano é mau: é forçoso ser anjo ou demonio: seja-se diabo, que é mais comezinho. Vêde-me uns frades, padres, devotos, freiras, que a desanimação avassalou: não ha peores peccadores; rolam cada vez mais ao fundo, e vão-se consolando com as delicias que topam na sua queda. Um peccado de menos, que é na conta que hão de dar? Chegados a tal extremidade, qualquer boa acção lhes será vã. Como não podessem abster-se de tudo, os desgraçados já agora não se abstem de nada. Esta desesperada crença precipita-os abaixo do homem. D'ahi tem surdido mais libertinos que ermitões, mais blasphemos que santos, mais loucos que ajuizados; e, em verdade, é mister que o christianismo entranhe vivacissimos embriões, esplendorosissimas luzes, e poderosissimas verdades para resistir, como ha resistido, á influencia de taes doutrinas.

Tirae-nos, por favor, esse inferno tão fatal aos que o recordam como aos que o esquecem. É verdade que teremos menos monges com o purgatorio; mas teremos mais christãos. No purgatorio será util pensar, comprehender-lhe a justiça, e sentir-se o homem melhor,