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O INFERNO
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Trezentos e sessenta e cinco degráos, correspondentes aos trezentos e sessenta e cinco peccados assignalados pelos doutores, formavam escaleiras d'um circulo a outro, e em cada circulo era mister passar trezentos e sessenta e cinco dias. Porém, os grandes criminosos, abatidos sob o gravame de suas culpas, atravessavam, sem poder parar e com a rapidez de pedra arrojada por funda, os seis primeiros circulos da spiral, e cahiam no setimo, no fundo abysmo, na géhenna inferior, d'onde não ha mais sahir. Á frente de suas legiões ahi os recebia Samael, e então lhes começava o perpetuo supplicio, o insulto dos diabos, a saudade da vida, o fogo interno e externo, o tormento da sêde, e a miragem cruelissima que scintilla aos olhos dos peregrinos agonisantes no deserto[1].

Taes eram, em resumo, as opiniões da synagoga ácerca do inferno. Entretanto os essenios, seita monastica celibataria que vivia em commum para espiritualmente

  1. O inferno mahometano é copia do judaico, mas copia singularmente alterada. O anjo Trakek é quem lá governa. Ha lá chuva de peçonha. Chama-se Géhenna e divide-se em sete circulos. Porém, exceptuado o primeiro circulo, reservado exclusivamente para os musulmanos, e o ultimo, destinado aos hypocritas, cada qual dos outros é pertencente a cada uma das religiões diversas que precederam o islamismo. Estes hereticos estão portanto em andares sobrepostos, quasi por ordem de sua antiguidade: os christãos no segundo, os judeus no terceiro, os sabeos no quarto, os guebros no quinto, os idolatras no sexto. D'estes seis ultimos ninguem sahe: ahi é o verdadeiro inferno; mas o primeiro, o circulo de honra dos crentes, é purgatorio, no dizer dos doutores.