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O INFERNO
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contempla em um verdadeiro lago de enxofre vermes e serpentes verdadeiras encarniçadas sobre todas as partes dos condemnados, exacerbando com as suas mordeduras as ulcerações do fogo. Quer, conforme um verso de S. Marcos, que este estranho fogo, posto que material como o nosso, e actuando sobre corpos materiaes, os conservará como o sal conserva a carne das victimas sempre sacrificadas e sempre viventes, sentirão a dôr d'aquelle fogo que queima sem destruir, e lhes filtra aos musculos, saturando-lhes os membros, desde a medulla dos ossos e as pupillas dos olhos até as mais occultas e sensiveis fibras do seu ser.

Se elles podessem submergir-se na cratera d'um vulcão, sentir-se-hiam ahi refrigerados e consolados.

D'esta arte fallam com toda a segurança os mais timidos, os mais discretos e reservados theologos; não negam, porém, que no inferno haja outros supplicios corporaes; sómente dizem que não tem d'elles um sufficiente conhecimento, ou pelo menos tão positivo como aquelle que receberam ácerca do horrivel supplicio do fogo, e do afflictivo supplicio dos vermes. Ha no entanto theologos mais audazes e illustrados que nos dão descripções mais miudas, variadas, e completas do inferno; e, bem que não saibam em que local do espaço tal inferno esteja, consta-lhes que alguns santos o viram.

De certo que estes santos lá não foram com a lyra em punho, como Orpheo, ou com a espada na mão,