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O INFERNO
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á toa; cada qual tem seu officio e sua tarefa: o mal que fazem no inferno corresponde ao mal que elles inspiraram e fizeram commetter n'este mundo. São os condemnados punidos em todos os sentidos e orgãos porque offenderam Deus por todos os orgãos e sentidos. Os comilões são punidos de certa maneira pelos demonios da intemperança, e d'outra maneira os calaceiros pelos demonios da preguiça, e ainda d'outra maneira os lascivos pelos demonios da sensualidade; em fim, são tantas as maneiras quantas as variedades de peccar. Dizem que elles até na fogueira terão frio, e no gelo se sentirão arder; estarão ávidos de descanso e irrequietos; sempre com fome, sempre com sede, e mil vezes mais cansados que o escravo no fim do dia, mais doentes que os moribundos, mais lacerados, mais escalavrados, mais lazaros que os martyres, e assim para todo o sempre.

Nenhum demonio se desgosta nem desgostará jámais do seu terrivel officio; n'esta parte são elles disciplinados a ponto, e fidelissimos na execução das ordens vingativas que receberam. Se não fosse isso, que seria do inferno? Se os demonios tivessem rixas entre si ou se fatigassem, os pacientes descansariam. Mas nem uns descansam, nem os outros se desavêm; e posto que sejam máos e muitissimos, os demonios harmonisam-se d'um cabo a outro do abysmo, por tanta maneira que nunca na terra se viram nações mais submissas a seus principes, exercitos mais doceis a seus generaes, communidades fradescas mais obedientes