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O INFERNO
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II

Reflexões sobre as penas materiaes dos condemnados
 

De qualquer modo que as figuremos, e quando mesmo por piedade ou qualquer outra razão se reduzissem só á acção do fogo, estas penas materiaes não poderiam ser eternas, porque, se a alma é immortal e póde soffrer sempre, não succede o mesmo ao seu involtorio terrestre: corpos de carne, á feição dos nossos, são de seu natural incapazes de resistir a similhantes agentes de destruição.

É um milagre a resurreição dos corpos; mas faz-se mister um segundo milagre para dar a estes corpos mortaes, já usados pelos transitorios attritos da vida, e de mais a mais aniquillados, a virtude de subsistir, sem se dissolverem, na fornalha onde metaes se evaporassem. Diga-se embora que a alma é algoz de si mesma, que Deus a não persegue, mas que a desampara pelo estado desgraçado que ella escolheu: isso ainda póde rigorosamente comprehender-se, posto que o desamparo eterno d'um ser desvairado e padecente pareça pouco conforme á bondade do Creador; porém o que se diz da alma e das penas espirituaes não póde por modo algum ser dito a respeito dos corpos e das penas corporaes; que para eternisar as penas corporaes não basta que Deus retire a sua mão;