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O INFERNO

pelo contrario, é forçoso que elle a mostre, que intervenha, que opere, sem o que o corpo succumbiria.

Conjecturaram, pois, os theologos que Deus effectivamente opera, em seguida á resurreição, o segundo milagre de que fallamos. Primeiro, exhuma do sepulchro os corpos de argila que lá se haviam desfeito; tira-os taes quaes lá tinham entrado com as suas nativas infermidades e as degradações successivas da idade, da doença e do vicio, decrepitos, infesados, gotosos, cheios de precisões, sensiveis á ferroada d'uma abelha, cobertos das macerações que lhes fizeram o rossar da vida e da morte: eis o primeiro milagre. Depois, a estes corpos alquebrados, prestes a reverter ao pó d'onde surgiram, inflige uma propriedade que não tinham: a immortalidade, o mesmo dom que n'um lance de colera, ou, se o quereis, n'um lance de misericordia, elle tinha subtrahido a Adão quando o expulsou do Eden: eis o segundo milagre. Quando Adão era immortal, era invulneravel; e, quando cessou de ser invulneravel, tornou-se mortal. Á dôr seguiu-se o morrer.

A resurreição, portanto, nem nos repõe nas condições physicas do homem innocente, nem nas condições physicas do homem culpado; é uma resurreição das nossas miserias sómente; mas com sobrecarga de novas miserias, infinitamente mais horriveis; é, até certo ponto, uma verdadeira creação, e mais maliciosa que imaginação alguma ainda concebeu.