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O INFERNO
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Dir-se-ha que Deus reconsidera e varia, quando accrescenta aos tormentos espirituaes dos peccadores tormentos corporaes de duração infinda, e muda de repente as leis e as propriedades por elle prescriptas ás composições da materia desde a origem d'ella. Resuscita carnes doentes e corruptas, e, atando com indesatavel nó elementos que tendem a separar-se, mantém e perpetúa, contra a ordem natural, aquella podridão vivente, que é posta no fogo, não para se depurar, mas para ser conservada qual é, sensivel, padecente, ardente e immortal.

Por amor d'este milagre é Deus arvorado em um dos algozes do inferno; por que, se os condemnados só a si podem imputar seus males espirituaes, tambem não tem a quem imputar os outros senão a Deus. Já não era pouco abandonal-os, depois de mortos, á tristeza, ao remorso e a quantas agonias sente a alma que perdeu o bem supremo; mas ha ahi peor: irá Deus, no dizer dos theologos, procural-os nas trevas do seu abysmo; chamal-os-ha por instantes á luz, não para allivial-os, mas sim para vestil-os d'um corpo horrido, chammejante, immorredouro, e n'este acto os abandonará definitivamente. Mas não será isso ainda abandono, pois que céo, terra e inferno não subsistem senão por um acto permanente da divina vontade sempre activa. É força, então, que Deus os tenha sempre de sua mão, para obstar que o fogo se apague e os corpos se consumam, a fim de que esses desgraçados