Página:O Inferno (1871).pdf/152

Wikisource, a biblioteca livre
132
O INFERNO

para os peccadores; mas os condemnados nem as desejam, nem d'ellas se lembram; abasta-lhes a sciencia que tem; e, pelo que toca ás affeições terrestres, mortas são todas: resta-lhes o odio sómente. A mãe que está no inferno, se tem um filho no paraizo, abomina-o, e elle a ella; se o tem no inferno, abomina-o tambem e é correspondida por igual, e, se o tem vivo no mundo a choral-a, da mesma sorte o abomina. Filhos, pae, marido, irmãos e irmãs, amigos, tudo lhe é igualmente odioso.

O que os condemnados mais ardentemente desejam é coisa que se beba e se coma, e além d'isso as delicias sensuaes e a bruteza do coito carnal. São de tal sorte as suas disposições em meio de tantos soffrimentos que, se um só d'esses condemnados podesse por um momento voltar á vida, escandalisaria um alcouce. Entretanto, confessam a justiça da condemnação que os fere; mas é para amaldiçoal-a; e, bem que não sejam atheus, por que tal não podem ser em similhante lugar, são mais scelerados, ignobeis, impudentes e perversos do que poderia sêl-o uma nação de atheus. Uma nação de atheus, não sendo composta de immortaes, temer-se-hia do nada como d'um objecto de medo ou esperança, e tiraria d'ahi certas regras de proceder que bastariam a tornal-a menos miseravel e brutal; mas no inferno não ha que temer nem que esperar. Ha ahi um retouçar-se na dôr, em horrendos sonhos, que exulceram os appetites sem os satisfazer. Ahi é tudo obscenidade, egoismo, opprobrio, hediondez,