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O INFERNO

a pezar seu, com as palavras do padre. A intervallos, olhava ella para mim chorando, invocava-me como testemunha da virtude de seu marido, e dizia-me com anciedade: «Não se salvará elle?» — Não duvide, senhora — dizia-lhe eu; porém tristemente eu via que as minhas respostas a não socegavam.

Ao cahir da tarde, como ella desde a vespera não comesse nem dormisse, fiz que seu filhinho lhe offerecesse algum alimento. Debalde se esforçou por engulir. Então pediu um livro de orações. Abriu ao acaso um que lhe deram, esperando achar ali algum alivio, que não achou; pelo contrario, com a leitura cresceu-lhe a inquietação. Vi-lhe então no rosto uns tregeitos involuntarios, e um crispar de mãos, e por fim um grito e logo cahiu desmaiada nos braços de quem a levou d'ali.

III

Apanhei o livro cahido de suas mãos. Denominava-se Quotidiano do christão, e facilmente conheci nas paginas avincadas as passagens que ella tinha lido: eram os Pensamentos christãos para todos os dias do mez, pelo padre Bouhours, da companhia de Jesus. Tinha ella desmaiado quando lia no quinto dia uma meditação ácerca do Juizo final. Acontece sempre que o ferido ao cahir bate sempre na chaga. Alguns trechos do capitulo, cujas margens estavam laceradas, diziam assim: «Quão terrivel é o dia da ira do Senhor!