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O INFERNO
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Estas comparações tiradas da terra não dão idêa da tristeza, do pungente e solemne d'aquelle immenso rugir de seres sem nome que eu não podia vêr e ouvir gemer. De toda a parte, suspiros, brados, soluços, gritos exhorativos, mas tudo distincto, conglobando-se sem confundir-se, e formando um brado unisono. Debaixo do sol não ha ahi espectaculo tão variado como o prantear d'aquellas almas, ressoando em choro universal quasi claro ainda, e mais afflictivo. Ao ouvir estes estrondos figurava-se-me que o sangue me escorria dos pulsos cortados, e o suor da fronte, e as lagrimas dos olhos, e tanto eu como tudo em redor soffriamos e supplicavamos.

VII

E uma voz exclamava: Oh! quanto eu soffro, Deus meu! Isto não terá fim? Vós, Senhor, que me atirastes ignorante a um mundo escuro, não me julgaes, apoz tantos seculos, bastante castigado dos meus desvios d'um dia?

E outra voz exclamava: Quando os meus peccados aqui me abysmaram, vossa mão, ó Deus, me amparava, e me ampara ainda; e, assim mesmo, em logar de diminuir, o meu supplicio augmenta. Soffro com quantos de longe molestei: tenho fome com os que eu poderia fartar; tenho frio com os que eu poderia vestir; peza sobre mim a cada hora e cada