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O INFERNO

vez mais esmagadora a carga de males que fiz pezar sobre outros. Multiplicaram-se as minhas offensas como a herva sobre a minha campa esquecida, e as minhas feridas sangram sempre, e as minhas chagas lavram sem cessar. Isto é justo, meu Deus! Poderia eu ser feliz no céo, se visse o effeito de minhas obras? Em quanto fructifica a arvore fatal que plantei na terra, puni-me, Senhor! Mas não me tireis a esperança! O pouquinho bem que fiz na vida não germinará nem cobrirá, se o permittirdes, os vestigios das minhas iniquidades? Oh! quando nenhum ente vivo, n'algum logar do mundo, já não podér imputar-me seus soffrimentos, tende então piedade de mim, meu Deus!

E todas as almas peccadoras, unindo-se em um brado de misericordia, repetiram juntas, lá das reconditas profundezas: Tende piedade de mim! Tende piedade de mim!

Esta supplica em commum era a um tempo tão suave e dilacerante que eu imaginei que o ceo se abriria. Mas a noite que me envolvia espessou-se mais glacial; e o abysmo emmudeceu; e, apoz um instante de esperança, continuou a lamentar-se, correndo como o oceano nas fragarias da costa.

Ai! ai! — conclamavam os gritos que se extinguiam soluçando — é surdo o céo! é surdo o céo!

Nunca! nunca! — diziam outras vozes — Nunca! nunca! Meu Deus, que resposta á dôr! Nunca! nunca!

Descançai, filhos! — bradou um condemnado, que se me figurou, no tom de voz, ser um dos patriarchas do