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O INFERNO
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abysmo — Não profirais essa palavra horrida. Ahi sôa em vossos pobres seios um ecco das maldições da terra, e não palavra descida do céo. Ha mais de mil annos que padeço, e oro, e escuto o céo, e não ouço a resposta. Oremos, oremos sempre!

E o ancião entoou um cantico; e, ao primeiro versiculo, parou e debulhou-se em lagrimas.

Ai! — ressoavam ao longe milhões de almas gementes — Ai! o céo é surdo! o céo é surdo!

N'este lance, uma voz sobrelevou a todas, dizendo: — Ensinai-nos, ao menos, Senhor, a utilidade dos padecimentos. Se nos perdoasseis, acaso a vossa gloria padeceria com isso? A felicidade dos justos soffreria diminuição? Revoltar-se-hiam elles contra vós? Logo que as creaturas entraram á vossa presença, não se lhes acrisolaram os sentimentos de piedade? O padre que me estendia a mão quando era mortal e sujeito ao peccado, a esposa que eu amava, a mãe que me gerou, os amigos que me trahiram e aos quaes perdoei, os pobres que soccorri, e uma filha ingrata e amada a quem eu daria a comer o meu coração em ancias de fome, nem essa, ninguem vos intercede por mim? Hontem oravam elles quando eu me rejubilava nas culpas; pranteavam-me vivo e oravam por mim; e hoje esquecem-me, pendem para o crime, fogem da dôr; o amor a quem soffre e geme é sentimento ephemero, que vai mal para entes bemaventurados.

E a voz que fallava assim ergueu-se ainda para amaldiçoar, mas falleceu-lhe a força, e á maneira do