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O INFERNO
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porque eu não sou Deus, e a vossa justiça é um mysterio, e contra minha vontade, a blasphemarei. Deixai-me morrer, ó Deus! Deixai morrer quem soffre! Matai o peccado incuravel e a dôr esteril, a fim de que na creação não haja um só atomo que não palpite de reconhecimento e alegria, ao ouvir o vosso nome santissimo.

E um clamor horrendo abafou a voz que fallava; e, d'um angulo a outro do abysmo, todas as almas em tortura escabujavam, rogando a Deus que as deixasse morrer. E pediam a morte como os famintos mendigam pão; chamavam-na com os gritos da mulher em angustias de parto do seu primogenito, com a dôr da victima na fogueira, com o rugido da leôa que perdeu os cachorros, com o balido do cordeirinho que procura a mãe. E eu tambem a chamava, e me pareceu vêl-a aproximar-se, e beijei-lhe a mão glacial; e, quando me sentia morrer, despertei.