crime dos apostolos, crime natural, como o de Judas.
Bem se deixa vêr que, se Judas vendeu o seu Deus, não pensava elle que vendia Deus: vendeu-o sem vêl-o, sem reconhecêl-o divino. O que elle a sabidas vendeu e quiz vender era um homem, pelo mesmo theor que os apostolos desampararam e quizeram desamparar um homem, mas o melhor e mais sabio homem, e o mais carinhoso amigo.
Vender Deus! renegar Deus! É isso crivel quando se crê em Deus? Tal crime, á força de disparatado, ficaria impune, como acto de sandice! Judas foi ingrato, ladrão, egoista, traidor doble, fallacioso, assassino; tudo isso foi e mais ainda; mas o certo é que, no intimo de seu coração, Judas não se julgava deicida.
IV
Por mais infame que haja sido, Judas não o era tanto que não comprehendesse a torpeza do seu acto. Tanto a comprehendeu que não se pôde afazer á sua villania; e, em quanto os apostolos se escondiam, foi elle — dolorosissimo acto! — confessar sua perfidia no templo, e restituir o dinheiro aos compradores, dizendo: «Vendi o sangue do innocente.» Mas ninguem se desata do seu remorso, como de um dinheiro que encrava espinhos na consciencia; e, na bôcca de um traidor, o testimunho a favor da innocencia perde