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O INFERNO
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VI

No suicidio de Judas ha terrivel mysterio; mas tambem, n'este mysterio, ha relance luminoso, e vem a ser que Judas, depois de confessar a perfidia, na face dos tentadores, calcando o ouro recebido, vagando loucamente pelas ruas de Jerusalem, valia tanto pelo menos como o senado judaico que continuava deliberando friamente a morte do justo, como Pilato que lavava as mãos, como Herodes e sua côrte que riam de tudo, e como os covardes amigos cujo testemunho, n'aquella conjunctura, seria muito mais importante que o d'elle. Tal monstro revertido a homem, de si mesmo horrorisado, saiu da cidade, entrou aos campos por onde tantas vezes estancára com o affavel Mestre, viu-se indigno de apertar a mão d'um amigo, porque havia trahido o mais fiel de todos; viu-se indigno de piedade por que a não tivera; e, por fim, desejou acabar. Nunca tinha sentido como então, nem quando ouvia Christo, o nada das riquezas, a vaidade do mundo, o desgosto dos prazeres, o horror dos vicios que os seguem. Oh! se elle podesse retroceder, delir de sua vida aquella nodoa de sangue, sacudir o pezo que lhe abafava o coração, quão diverso do que fôra não seria! Como agora se lhe figurava formosa a innocencia! Como as tentações lhe pareciam boas de subjugar! Ah! se elle podesse quebrar as prisões