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O INFERNO

de Jesus, e banhar-lhe os pés com suas lagrimas! Se podesse offerecer a vida a trôco da que o povo ía sacrificar! Com que prazer se deitaria na cruz, e ahi morreria em paz, se lhe fosse dado perdão de seu crime com tal condição!... Mas, ao longe, estrugia a grita da multidão enfuriada, bradando: «Crucifica-o!» Escutava o tropel dos cavallos, o retinir das armas, e a pancada do martello que cravava os pregos nas mãos bemfazejas do amigo que elle vendêra. Iriçaram-se-lhe os cabellos, reçumou-lhe suor glacial ao rosto, mal se tinha nas pernas como ebrio, sentia retrahir-se-lhe o chão debaixo dos pés. Oh! como Jesus padecia! Mas Judas padecia mais, porque soffria como criminoso, e não como justo. Os soffrimentos de Judas excedem todo o confronto. Não ha ahi agonia que lhes compareis. Em um dia, n'uma hora soffreu mais do que cem annos de penitencia no deserto, cem annos de vergonhas e supplicios entre os homens. A sua alma era uma fornalha em chammas. Os caminhos abrolhavam-lhe espinhos dilacerantes debaixo dos pés. Com os proprios dentes lacerava os beiços. O sangue estuára-lhe nas veias. Aquelle viver já não era vida de homem. Nem fome nem sede o espertavam do lethargo horrendo. Fulgurava-lhe um só sentimento: o horror do seu crime. O que elle levava pelos campos além era um cadaver já insensivel á dôr; e esse vil cadaver é o que elle estrangulou pendente da arvore. Fez mal. Melhor lhe fôra morrer ajoelhando, supplicando misericordia. Ah! acaso sabemos como elle morreu?