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O INFERNO
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Judas, pois era mister que, em cumprimento de vossos decretos, fosseis trahido por um dos vossos amigos. Horrendo, mas inevitavel crime, predicto muito antes pelos prophetas; crime salutar, introito mysterioso da paixão; crime que foi amaldiçoado e devia sêl-o, mas que hoje devemos perdoar e bemdizer, por quanto, sem tal crime, ó dôce Jesus, nem vós terieis morrido, nem o mundo estaria resgatado.

Apiedai-vos, pois, de Judas! Commiserem-vos seus remorsos, tormentos e lagrimas! Compadeça-vos a cegueira d'elle! É bem de crêr que fechais os olhos da alma aos culpados e esta milagrosa cegueira com que os affligis é já per si um castigo. Mas tambem os castigareis por peccados e erros commettidos com vossa licença, no seio d'aquellas vingadoras trevas que derramastes no seu caminho? Não, não, meu Deus, vós o dissestes. Lembrai-vos de vossas derradeiras palavras na cruz redemptora, quando pedieis a vosso Pae perdão para os algozes, para os sacerdotes que vos haviam comprado, para o amigo desleal que vos tinha vendido, para o soldado cruel que vos cuspiu na face, para o povo desvairado que vos injuriava no supplicio: «Perdoai-lhes, pae, que elles não sabem o que fazem!»

E vosso Pae, que tudo vos concede, perdoou-lhes o sacrilegio, a blasphemia, e tudo quanto em seu crime entendia com a vossa abscondita divindade; perdoou-lhes o que a justiça e caridade querem que se perdoe aos insensatos e aos cegos, e a quantos não sabem o que fazem. O que ficou sobre elles pezando