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O INFERNO

Arrancava elle discretamente as que haviam germinado até á beira da estrada, quando os servos, armados de páos, correram a prohibir-lhe que tocasse na seara que era de seu amo. Perguntou-lhes o caminheiro onde estava o amo, e soube d'elles que era fallecido, mas lhes recommendára que vigiassem a messe preparada para seus filhos.

O caminheiro, ouvida tal resposta, contristou-se, e lhes fez vêr a differença que havia entre o joio e o trigo. E disse-lhes: Acautelai-vos de os mandar juntos ao moinho, e não façais pão que não seja de puro fermento.

Os servos, não obstante, persuadidos da sabedoria do amo e do cumprimento fiel ás ordens recebidas, desconfiaram do caminhante, e de seus proprios olhos até, quando lhes apontava a differença das duas plantas. Se isto é joio, diziam, não fômos nós que o fizemos rebentar.

Certo é que não — disse o passageiro — não fostes vós quem fez germinar o trigo nem o joio, nem communicastes a cada um dos dois sua diversa virtude, nem tão pouco lh'as podereis tirar; mas, se não sois quem os fez crescer, fostes vós quem os semeou, depois de misturar os grãos que o pae de familia havia cuidadosamente separado. Se amais os filhos de vosso amo, fazei o que elle faria: não lhes deis a comer pão que empeçonha, porque d'elle adoecerão, e outros hão de morrer.

Turbaram-se grandemente os servos com tal discurso.