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O INFERNO
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conductores nos abandonam, nos pontos em que elles se desavém, em que se calam; emfim, na conjunctura em que os homens tem grande interesse em conhecer a verdade que se lhes occulta. Venha a Egreja n'um d'estes casos. Não affrontemos com os casuistas multidão de problemas onde o nosso partido seria grande; busquemos antes, nas relações da vida civil, um só d'esses factos duvidosos, sobre os quaes a sabedoria humana está indecisa. Vá de exemplo o emprestar a juro, e exponhamos primeiro a questão muito pelo alto.

Deve emprestar um homem ao seu visinho, dinheiro ou qualquer outro valor, gratuitamente? É, pelo contrario, licito haver parte dos lucros da quantia cujo uso se permitte, por tempo marcado, ao visinho? Como principio, ninguem condemna o emprestimo gratuito, o qual, á maneira da esmola, é um acto de liberalidade muito para louvar-se, mas que seria nocivo, sendo praticado sem discernimento. Todavia, alguns philosophos, e modernamente alguns caudilhos das seitas communistas, defendem que o emprestimo gratuito é o unico bem consoante á equidade natural, e que a minima usura é roubo. Estes philosophos tem sido arregimentados na peor especie de utopistas. Toda a gente sisuda recusa considerar a gratuidade do emprestimo como obrigação moral. Tal preceito usurparia á mediania económica os meios de valer ao indigente laborioso; o pae de familias não arriscaria as migalhas penosamente poupadas, se o não acoroçoasse