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O INFERNO

se Deus as abandona, tambem ellas abandonam a Deus; é bastante para exemplo, é bastante para justiça; porém metade do genero humano e mais de metade, é excesso, é monstruoso: não se crê. Não é isso, quer-nos parecer, a boa nova que celebraram ha mil e oito centos annos os magos e os pastores nos caminhos de Bethelem. Mas os velhos dogmas de Israel por tal arte andam baralhados com as verdades christãs, e tanto a primitiva Egreja com elles se identificou formando um corpo doutrinal, que um homem instruido não póde hoje, sem risco de heresia, tentar separal-as.

Sem embargo, opera-se no seio do christianismo um singular trabalho, de que o clero não dá tento, bem que a iniciativa de ha muito proceda d'elle mesmo. Este trabalho de que as obras de Sanchez, de Escobar, do padre Annat, do padre Lémoine, e d'outros casuistas, tão agramente invectivados por Pascal, eram apenas indicios, tende a neutralisar cada vez mais a acção n'outro tempo tão vigorosa dos elementos hebraicos do christianimo. Sentimentos, que debalde quereriamos suffocar, rompem á luz; o coração reclama, bem que timidamente, seus direitos; a consciencia, constrangida debaixo do pezo de abafadoras tradições, não repulsa, mas a tremer levanta do peito o fardo, como para respirar. Verdade é que ainda nos pregam os velhos mysterios da synagoga; mas, ao mesmo tempo, cuidam em dissimular-lhes as consesequencias logicas relativas á vida futura, e — notabilissimo caso! — não insistem nas consequencias praticas,