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O INFERNO

póde ser integerrimo no pulpito; mas, no confessionario, treme, receia afugentar a alma que o procura; lembra-lhe o Bom Pastor, o céo promettido ao ladrão que se accusa, o perdão da adultera, e involuntariamente contribue a facilitar as quedas, e as reincidencias, facilitando a expiação. Pois os primitivos christãos não tinham ouvido fallar do bom ladrão, e da mulher adultera, e da parabola do Bom Pastor? Comparem com a disciplina de hoje a de então que eu já referi. Se o padre Lémoine lesse nas catacumbas um capitulo da Devoção commoda, o congresso de fieis e martyres surgiria em pezo contra tal innovador, e o bispo excommungal-o-hia. Tenho minhas duvidas que o proprio S. Francisco de Salles o tractasse bem. É que os primitivos christãos nunca perdiam d'olho Satanaz, peccado original, inferno, e conformavam o seu procedimento, não a tal artigo de fé ageitada a dar alentos á esperança, mas ao complexo tremendo da doutrina que aprendiam.

A harmonia que primordialmente se deu entre a disciplina da Egreja e as crenças da Egreja, está por tanto desde muito desacorde. Port-Royal tentou afinal-a. Foi esse o segredo da sua lucta com os casuistas mas os casuistas venceram. A contenda acabou.

Meditemos agora nas consequencias logicas dos nossos dogmas, relativos á outra vida, dos esforços que debalde se envidam para lhes amaciar as asperezas e edulcorar-lhes o travor, com medo de que lhes não atirem fóra copo e remedio.