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O INFERNO
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Em louvor dos theologos modernos, declaro que poucos ha que possam encarar impassiveis a multidão de pagãos e hereges que regorgita do inferno — multidão que sem intercadencia augmenta com muitos milhares d'almas cada dia, muitos milhares cada anno. Elles, pois, escondem as vinganças divinas, em vez de nol-as mostrarem, no seu trilho aterrador á maneira dos antigos. Quando cuidam em nos animar, tambem elles se animam em seus proprios quebrantamentos, sentindo que a piedade desborda e arrasta a fé; e não só a piedade, mas tambem a justiça.

S. Thomaz de Aquino, incapaz de ceder unicamente á piedade, estacou diante d'esse problema de justiça, e diligenciou, a seu modo, resolvêl-o, por feição que podesse, sem offensa da fé, contemporisar com a sua razão.

Imaginou um justo fóra da Egreja, ignorando as verdades salvadoras, e predestinado ao inferno por culpa de sua ignorancia. Ora um anjo celestial, quando este justo agonisava, desceu a revelar-lhe a verdade, dando-lhe assim entrada na Egreja por uma porta falsa, e mantendo por este theor milagrosamente a inteireza dos dogmas. Pouco importava a S. Thomaz, tão grande e inflexivel logico, salvar as regras explicitamente formuladas pelos concilios; e, se taes regras podiam ferir a justiça, lá estavam os anjos para concilial-as. O que elle queria era salvar os gentios.

Mas, hoje em dia, os theologos avantajam-se a S. Thomaz. Já não ha recorrer a milagre. Dizem que, se