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O INFERNO


Faz-se mister prescindir de entender qualquer palavra divina ou humana, se do Credo se colhe o dogma das penas eternas. Não está lá: o contrario é que está. O veneravel texto é mil vezes mais luminoso que todas as glosas dos doutores.

II

Viveu Origenes quasi coevo dos tempos apostolicos. Toda a gente ouviu fallar da santidade de seu viver, pureza de costumes, alento nas perseguições, vasta sabedoria e raro engenho. Pois ainda assim, aquelle insigne doutor, e illustre confessor de Christo, negava as penas eternas. Acaso receberia elle a verdadeira tradição dos apostolos, ou, á força de reflectir, atinára com a genuina accepção do Evangelho? Não sei. Todavia confesso envergonhadamente que ainda não li as poucas obras restantes que tão assignalado sujeito escreveu sobre tal materia. O que mais sei é que foi condemnado, muito tempo depois que morreu, por um edito do imperador Justiniano, e anathematisado, com a porção da obra relativa ás penas eternas, por o concilio ecumenico de Constantinopla, anno 553.[1] Não se deram os bispos á canceira

  1. No anno 321, Origenes foi denunciado ao Concilio de Alexandria, e interdicto do sacerdocio. S. Jeronymo attribue esta condemnação a ciumes e invejas que inspirava a eloquencia de Origenes aos Padres reunidos n'aquelle Concilio.