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O INFERNO
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pelos sacerdotes do altar. Os que o ferro poupava eram ainda mais dignos de compaixão: condemnavam-os á escravidão com a sua posteridade — ao trabalhar sem proveito, e á miseria infinita. Entre as familias, tribus e raças ardiam odios hereditarios; pagava o innocente pelo culpado, porque era commum dever o assassinal-o.

E tudo isto se figurava justo, e hoje ainda entre as nações christãs, aqui e alli, subsistem vestigios d'estes antigos costumes.

Se insistem em que os pagãos conheciam o peccado original, a maldição do genero humano e as penas eternas, força é confessar que elles, segundo procediam, procuravam incitar a justiça divina. Que melhor modelo lhes sahiria a ponto?

Para lhes condemnar o procedimento é mister conceder que elles de Deus e da sua justiça apenas tinham falsa idêa. Phantasiavam Deus á sua similhança, vingativo, descaroado. D'ahi, a idêa das raças malditas, dos crimes e castigos hereditarios. D'ahi os pavorosos sonhos do inferno sem fim, dos máos abrazados e espedaçados vivos, dos algozes enfurecidos sobre as suas prêas immortaes, o chorar incessante, o suspirar sem echo, e os engenhosos supplicios todos do Naraka, indostamio inferno que ainda flammeja, e do Amenthi, egypcio, e do Tartaro grego, antigos infernos já agora apagados e que ha tantos seculos não mettem medo a ninguem.