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O INFERNO


III

Como o sacerdocio perpetuou estas tradições
 

A par e passo que a humanidade se illustra, vemos adoçarem-se por toda a parte as leis e os costumes; as religiões, porém, essas não: antes querem morrer que mudar; conservam como deposito precioso e inviolavel doutrinas antiquadas sem parentesco com as idêas e as necessidades das sociedades novas. Continuam a prégar aos povos policiados deoses ferozes. Faz-se mister um dia arrancar ao cutello sagrado as victimas humanas. Na Gallia foi forçoso derruir as áras e immolar os sacerdotes para acabar com os sacrificios abominaveis. Dá Moysés aos judeus a lei de talião, mas reserva a Jehovah a vingança, como os poetas gregos a reservavam a Jupiter. Querem homens bons e um Deus cruel, homens justos, e um Deus iniquo; e, sendo isto repugnante, fazem da justiça divina um mysterio, com a declaração de que o não podemos perceber. Préga Jesus exclusivamente a caridade, e morre em um madeiro perdoando a seus algozes. Tratam de conciliar a sua doutrina com os rabbinos, e logo nos figuram um Deus de duas faces: a doce face do Christo que contempla a terra, e no inverso d'esta face augusta e ungida de lagrimas, a face irritada de Jehovah, o Deus exterminador, o Deus inexoravel que persegue os filhos pelos crimes dos paes.