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O INFERNO
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suas prisões, não renunciou ao direito de perdão; não desentranhou de si o sentimento da piedade. Sobre essa paragem de miserias está sempre fixo um olhar de dó, e attento um ouvido que escuta os gritos do arrependimento. E acaso se enfraquece por amor d'isso a lei penal? E se o perdão salva um d'esses prezos que a justiça ferira com perpetua pena, cuidaes que esse acto robusteça o mal, e dê nas prizões ou fóra d'ellas um exemplo funesto?

Ainda mais: a sociedade amnistia algumas vezes propriamente o crime, derroga a sentença do juiz e restitue o criminoso em todos os direitos do innocente. Os crimes que ella amnistia quaes são? Os mais ultrajadores de sua authoridade, das suas leis, do seu repouso e existencia: amnistia os crimes de lesa-magestade, e contenta-se com perdoar os outros.

Este é o espirito das legislações novas em toda a christandade, nas quaes a misericordia se abraça com a justiça.

Inferno que nunca muda é só o theologico. É sempre o inferno da edade media, inferno de judeus e pagãos, os mesmos supplicios, os mesmos gritos, a mesma impiedade crescente, os mesmos horrores. Não querem que Deus tenha o direito de perdoar no outro mundo. Cá em baixo póde fazel-o, se lhe apraz, como qualquer rei da terra. Mas lá no seu reino não ha perdão nem amnistia! Colera infinita! Vingança perpetua! Inexoravel furor! Tal é, consoante o pintam, o Rei dos ceos.