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O INFERNO

quasi nada se sabe do que la se passa: é portanto mais mysterioso que o inferno. Todavia, sem impedimento de ser mysterioso, que differença! Quanto mais profundamos a eternidade penal, menos se acredita; ao invez, quanto mais pensamos no purgatorio, mais nos sentimos compellidos a crêl-o. É o inferno mysterioso como o diabo, como a noite, como a contradicção, a confusão e o chaos. É o purgatorio mysterioso como Deus, como a alma, como a consciencia, como a vida, como a luz que nos alumia, como a materia impenetravel, como toda a natureza, como a verdade, como tudo o que existe e de que nós apenas conhecemos em sombra a existencia e apenas percebemos atravez de um veo, mas o bastante para não poder duvidar. É elle tão certo como tudo o mais do mundo; assenta no intimo de nossa alma sobre as mesmas bases da moral, do direito, do dever, do respeito a outrem, piedade, liberdade, amor, e sentimento do infinito. É por tanto o purgatorio, quanto á razão, o verdadeiro mysterio da justiça divina, assim como a Incarnação e a Paixão, quanto á fé, são o mysterio do Amor divino; — mysterio de justiça que, de mais a mais, se concilia maravilhosamente com aquelles mysterios d'amor, dos quaes o inferno perpetuo seria a negação.

Muitissimo nos espanta que os protestantes o não vissem. Quando tinham que escolher entre dous dogmas inconciliaveis, um velho e outro novo, sacrificaram, tanto em nome do Evangelho como da razão, um dos