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O INFERNO

entre o paraiso e o inferno, mas entre a terra e o ceo, ponto que certas almas atravessam rapidamente e quasi sem soffrer, e onde outros são condemnados a padecimentos mais ou menos extensos e variadissimos, consoante a natureza de suas culpas, e disposição no ultimo momento. Este purgatorio com as suas penas indefinidas, proporcionaes, rigorosas, purificantes, e, cedo ou tarde, coroadas pelo perdão, não seria um freio moral mais rijo que o medo das penas eternas, temperado pela esperança da misericordia na ultima hora, e pela reforma de vida na ultima edade? Convenho que não haveria medo de ser condemnado sem remissão; assim é; mas tambem ninguem presumiria de fugir ao castigo com um momento de contricção, depois d'uma longa cadeia de crimes. D'esta arte, Deus mostraria melhor o que é, justo, mas não cruel; bom, em vez de tolerante. Que mal lhe viria d'ahi? Commiséravos o lastimavel ancião coberto do sangue das extorsões e o tyranno abjecto que sopesou e corrompeu milhares de homens; tendes d'elles piedade, quando morrem chorando? tendes razão; mas apiedae-vos tambem de suas victimas ainda palpitantes, d'essas creanças que elles definharam e ceifaram em flor, e que vós condemnaes. Piedade e justiça para todos. Não desespereis os que vagarosamente caminham sobre os abrolhos da penitencia, mas não lhes encurteis a escada para os subir ao ceo. Sabei que na outra vida se chora amargamente o mal feito ao proximo que n'este mundo nos sobrevive, as desordens que se motivaram, as existencias