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O INFERNO
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probabilidades são dissimilhantes, e que o mais certo, faça-se o que se fizer, é a condemnação.

D'onde procede nas imaginações vivas a dominante preoccupação de evitar o inferno; e d'ahi, pelo conseguinte, e desde os primeiros seculos, uma especie de singulares virtudes, mais espantosas que bellas, mais extravagantes que insinuativas: virtudes falsas, sem utilidade do proximo, bem que os theologos no'l-as inculquem por ideal da perfeição christã. Tal é o retiro ao deserto, a renunciação propria, o morrer antecipado, o fugir combates da vida, o desquite de deveres da familia e da cidade, a ociosidade contemplativa e penitente, a maceração, o jejum, o perpetuo silencio, a insulação, o odio ao mundo, a oração entre quatro paredes. É, tambem, a santificação do celibato, como se a fecundidade dos sexos houvesse sido amaldiçoada, como se fosse culpa continuar a filiação de Adão, e virtude esterilisar em si os embriões da vida humana.

E certo é que, admittido o inferno, e a queda original, e o ensinamento que lhe anda annexo, que outra conclusão se colhe? Multiplicar os homens, para que? para multiplicar os peccados? Se é tão duvidosa a salvação! Se a condemnação é tão facil! Para que nos enlaçaremos á orla d'um abysmo onde o esposo póde despenhar-se com a esposa e o pae com os filhos? Bastantissimos mentecaptos se casam, e povoam terra e inferno de desgraçados. Não seria melhor deixar acabar o mundo? Bemaventurados os celibatarios! Os sabios