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O INFERNO

certo que, sem embargo da diversidade dos fins, vigora em ambas as seitas um principio commum, sendo que por identicas vias e praticas procuram a eterna bemaventurança uns, e outros o perpetuo dormir, a eterna insensibilidade. Só de per si o desejo do ceo não bastaria a inspirar a uns o mesmo proceder que inspira aos outros o desejo da anniquilação: pelo que, não é o desejo, senão o medo que povôa os desertos. Os bouddhistas, por egual com os christãos transviados, temem os soffrimentos infindos, os males sempre a renascer, se n'este mundo não attingirem a vida perfeita; e tanto para elles como para os nossos monges, vida perfeita é o absterem-se da vida, é a virgindade, o jejum, a penitencia, a soledade, o extasis, o antecipar a morte, um complexo de estereis virtudes, não filhas do amor, senão do mêdo.

Tal é, na sua mais elevada expressão, o bem que a crença do inferno produz n'esta vida. Causa espanto que os protestantes hajam conservado este dogma! É, porém, mais para espantar que elles, ao mesmo tempo que o conservam, destruam os mosteiros e inpugnem o celibato. Não ha ahi imaginar maior inconsequencia! A primitiva Igreja, que elles pretendem resurgir, cria sem duvida nas penas eternas, é isto mais que muito verdadeiro; mas pelo menos, operava em conformidade com sua fé. N'aquelle tempo, os esposos, ainda em vigorosa mocidade, guardavam continencia, sob pena de peccarem, durante o advento e quaresma, e nas festas e dias de jejum, pouco mais ou