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O INFERNO
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Idolatra-se, não ao modo dos sybaritas, mas por um theor que, posto não seja sensual, não é menos egoista: absorve-se em contemplação de sua alma; no proprio coração preenche o vacuo de familia e de amigos, e de quantas creaturas de lá expulsou. Contempla-se sósinha, entre o inferno e o céo, a tremer perante um tal espectaculo, e sempre fluctuando entre estes abysmos, ora nas alturas, ora nas profundezas, passa de um delirio a outro, e das palpitações do terror ao extase dos seraphins.

Eu por mim não sei se Deus sorri a taes futilidades, a tal vida que não é viver, e a tal morte que não é morrer; mas os theologos affirmam que é n'isto que a perfeição consiste.

E forçoso é concordar que elles tem razão, se ha inferno. Se ha inferno, a irmã da caridade é imprudente, e nós, os admiradores d'ella, somos sandeus. O sequestro mais rigoroso é a consequencia legitima, natural, necessaria e fatal d'este dogma selvagem. O alicerce, a porta e o tecto do mosteiro é aquelle dogma, que desata as sociedades naturaes e viventes avinculadas pelo amor; é elle o occulto liame d'aquellas sociedades de automatos que não permaneceriam um dia, nem hora, nem momento, se tal dogma fosse proscripto. Sem inferno, a vida claustral não se percebe; com inferno, não ha imaginal-a mais a ponto, e é obrigatorio confessar que, de feito, a perfeição está n'ella, visto que a razão está com ella.

Não obstante, filhos do seculo, não renuncieis