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O INFERNO


No mosteiro é tudo exemplos edificantes; e, posto que seja defezo ahi grangear um amigo, em compensação não se adquirem inimigos.

Nem impeços, nem disputas, nem conflictos, males que a liberdade produz, sendo que a servidão lhes esmaga os embriões. No exterior é tudo recolhimento, paz, ordem, silencio, e esforço; perturbações, se as ha lá, vem do intimo e do recondito do nosso ser. O unico inimigo que ahi ha que recear é o diabo, tal invisivel e impalpavel adversario que todos trazem comsigo, fracos e fortes, mundanos e frades; porém tal inimigo perde no claustro boa parte das suas prerogativas; porque alli não está elle como em sua casa, e no seu reino: são-lhe menos os ministros, os vassallos, e os recursos. O recluso, afóra a pessoal energia de que é dotado e lhe assignala a vocação, topa ahi de todos os lados conselhos e amparos; e como quer que tenha em frente aquelle unico inimigo, soccorre-se de mil auxilios, que faltam ao homem do seculo, e, máo grado a sua fraqueza original, vence-os. Que fazemos pois n'este misero mundo em que a infermidade nos algema? Ha aqui o rir, o chorar, o renhir, o disputar, o abraçar-mo-nos, o odiarmo-nos, perseguirmo-nos, e o aniquillar-se o homem contra homem: é uma reluctancia sem fim, e sem regra, um retinir de espadas, um estrondear de martellos, de carros, de machinas, de cantares, de gemidos, um cháos, uma desordem, da qual a clausura não poderia dar-nos sombra de idêa. Aqui, são mil os objectos em que a alma