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O INFERNO
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terrores; justos sem socego, penitentes sem repouso, virgens lagrimosas e anachoretas angustiados.

Vós, porém, que vos quereis salvar e salvar-nos com menos custo; vós, que viveis regalados em quanto o Christo mendiga á vossa porta; vós que tendes riquezas ao sol e riquezas á sombra, quando na vossa parochia tantas familias laboriosas carecem do mais urgente; vós, que cubiçaes a estola, a murça ou mitra; e achaes nas Escripturas louvores para outrem, além de Deus, oh! quanto differentes sois d'aquelles heroes christãos cujas imagens campêam nos nossos altares! Sois o que somos: haveis mais pavor das praticas dos santos que do proprio inferno; espanta-vos e desespera-vos a perfeição d'elles; a pesar vosso, amaes o que elles aborreciam, e aborreceis o que elles amavam; as vossas virtudes são mesmamente humanas, taes quaes as nossas, que não vem do alto, que se enroscam nos nossos vicios e nos acorrentam ao demonio.

Ai! que perdidos estamos, ó meus amigos! Que lucramos em fechar os olhos? Estamos todos condemnados! Que monta o desprezo proprio pregoado pelos labios, se no intimo do coração tendes a propria estima sempre desvelada? Que aproveitam as momentaneas conversões, seguidas de quedas mais desastrosas? Que vos fazem certas privações associadas a tanto regalos? Em verdade vos digo que estamos perdidos!