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O INFERNO

peccado mortal, e aos olhos de Deus não valem o cilicio d'um frade, ou a confissão de um salteador agonisante; ah! confesso que, ao dizerem-me estas cousas em todos os pulpitos christãos, não entendo o sermão da montanha, e pelo contrario começo a comprehender os prazeres d'esta vida.

Vêdes aquelles pescadores que em fragil barquinha vão arrostar as ondas do oceano, e vogar, por dias, semanas e mezes, longe da praia, á mercê das tempestades para ganharem, á custa de mil perigos, o pão de seus filhos?

Vêdes aquelles telhadores na aresta do vigamento? aquelles mineiros sepultados nas entranhas da terra, longe dos raios beneficos do sol? Vêdes o lavrador curvado sobre o sulco? o pallido tecelão diante das machinas devoradoras? tanto operario sem nome avergado ao pezo de um trabalho ingrato e sem descanço? Pois a maior parte d'aquelles é condemnada, por modo que os seus soffrimentos n'esta vida são preludios dos que lá os esperam na outra. Aquella mãe que não póde vestir seus filhos, e que relança olhares invejosos ao palacio visinho, onde os cavallos medram mais fartos que os filhinhos d'ella; — aquelles mendigos que vagamundêam nos campos; os orphãos que se recolhem aos hospitaes; os soldados que marcham para as fronteiras; os proscriptos esquecidos no solo estrangeiro, condemnados, quasi todos condemnados, meu Deus! Um repleto conego, risonho e bochechudo, sem familia nem cuidados, repastando-se