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O INFERNO
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quatro vezes por dia, mas sem escandalisar ninguem, baixando a vista em presença das mulheres, pontual nos officios, está mais visinho do céo que todos aquelles desgraçados; e mais perto ainda do céo está um sancto anachoreta. Chorar, soffrer, trabalhar não é nada. Se choram, não choram as suas culpas, é a miseria dos filhos; se trabalham não é por penitencia, mas sim para grangear commodidades. Lagrimas de Babylonia, diz S. Agostinho. Avidos suores, vãs angustias! Muitos seculos ha que d'est'arte se lhes explica o sermão da montanha, e elles nem o comprehendem nem jámais o entenderão. É bem de ver que não vivem á maneira dos santos legendarios, nem dos conegos prebendados. Os que sabem lêr pouco lêem, á falta de tempo. Muitos não vão á egreja, e os que lá vão sahem como entraram. São profundamente ignorantes. A dura necessidade dobrou-lhes a cabeça sobre o torrão que regam com o seu suor; e a natureza, que lhes brada das entranhas da terra, diz-lhes cousas que elles percebem mais a preceito que os sermões. O estridor e o vapor das materias da sua obragem cega-os e ensurdece-os. Não sentem fome nem sêde da palavra divina, qual lh'a ensinavam algum dia. Digam-lhes que um eremita vae melhor do que elles, por que abandonou officio, casa e parentes, e todo se vagou á salvação da alma, e que ha vinte ou trinta annos resa, jejua e se disciplina, dizei-lhes isto que elles vos desfecharão uma gargalhada; mas, se ao mesmo tempo passar um soldado de bigodes brancos, ou