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O INFERNO

algum recruta aleijado em Africa ou Italia, ou algum repatriado do desterro, em vesperas de para lá voltar, se a occasião o exigir, elles o saudarão respeitosamente. Que appareça um velho sem occupação, uma viuva com filhos maltrapidos, e elles se fintarão para soccorrêl-os. Contae-lhes casos de bemfazer e lanços de gratidão, vêl-os-heis commovidos. As virtudes d'esses infelizes são, para assim dizer, selvaticas, probidade orgulhosa, amizades humanas, mas apuradas até á abnegação, instinctos lucidos do que é grande e formoso, mas formoso e grande pela craveira das coisas d'este mundo. De par com isto ha falhas, e até crimes. Impacientam-se, praguejam, largam a redea aos desejos, porque, no seu modo de pensar, se não ganham, tambem não perdem. Vivem á beira das charruas, das córtes, das forjas, e nas abegoarias. Este viver influe-lhes na linguagem e nos costumes. Não têm alma que se ale longo tempo e ao alto sem que as azas lhe falleçam: é que pezam n'ella os cuidados terrestres. Ventilam problemas que não podem resolver. Desconsolados do seu destino, perguntam porque ha ricos e pobres, e porque, no outro mundo, serão condemnados, depois de tanto haverem trabalhado e gemido n'este?

O inferno não os apavora muito mais que a morte. Affizeram-se desde a infancia á vaga idêa de que hão de ser condemnados, seguindo a trilha commum da vida; todavia, apezar do proposito feito, nem por isso um terrivel pezo deixa de lhes aggravar o fardo das