Página:O Momento Literario (1908).pdf/72

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Dez horas da manhã. O grande artista escreve. A sala forrada de cinza está atravancada de altas estantes de canela, de largos divãs indianos, de vastas rocking-chairs de couro lavrado. Na secretária, um frasco de neurosina, um volume de Dumas, um pote de faiança com fumo rio-novo. Ao fundo, uma coleção de retratos de amigos. Muitos estão mortos. Os amigos que morrem levam para a sepultura um pedaço da nossa própria vida... A atmosfera morna é de inteira quietação. Na rua, o mormaço do céu, afogado em nuvens, parece abater as árvores; na sala ouve-se apenas o imperceptível cicio da pena no papel de linho, enquanto um gato, muito gordo, muito branco, muito peludo, lambe devagar uma das patas. Coelho Neto levanta-se normalmente às cinco da manhã, senta-se a escrever às seis, trabalha até às doze, vai para o duche frio, almoça e às três da tarde recomeça para só terminar quando se acendem na cidade as primeiras luzes. Há quatro horas já, impalpável