Página:O Mysterio da Estrada de Cintra (1894).pdf/103

Wikisource, a biblioteca livre

ruido do vapôr e pelo vento crescente, e cantou com uma voz forte e languida:

    Á la puerta de mi casa     Hay una piedra mui larga...

Os inglezes estavam extaticos. No fim os applausos estalaram como foguetes, encheram-se os copos, um gritou:

— Pela señorita Carmen! hip! hip! Hurrah!

Os applausos echoaram no mar.

Ella estava extremamente embaraçada, comprehendia que só, no meio d’aquellas acclamações de homens, a sua posição era equivoca e ousada.

— Ora vejam! disse eu então, com uma bonhomia mephistophelica, é pena que as senhoras não ouvissem, e que estejamos aqui sós, entre rapazes, na pandiga.

Carmen deitou-me um vivo olhar de odio: eu estava vingado.

Um dos inglezes, no entanto, Mr. Reder, continuava, erguendo o copo, cheio de punch:

— A Carmen Puebla! Hip! hip! hip!

— Hurrah! responderam os outros enthusiasmados.

E o echo triste do mar, repetiu:

— Hurra!

Tocou uma sineta. Eram onze horas. Apagaram se as luzes. Quasi todos desceram rapidamente. Havia um forte vento de noroeste. O balanço do navio crescia. Navegavamos então á vista da terra d’Africa. Quando a tolda ficou deserta, sentiu-se mais vivamente o vento uivar nas cordagens, e bater a grande pancada do mar.

De espaço a espaço a sineta marcava os quartos: e a voz melancolica do marinheiro de vigia, dizia, pausadamente:

All is well.

Havia duas horas que eu tinha descido ao beliche. Estava n’aquella confusa penumbra que não é o somno, nem a vigilia, mas um vago sonho vivo que se sente e que se domina: via a condessa passar n’uma nuvem com Rytmel, alegre, bebendo cerveja; via Carmen vestida de monge, dançando sobre a corda bamba; e estas visões confundiam-se com o balanço e com o bater do helice.

De repente senti uma pancada pavorosa. O navio estremeceu, parou, ressoou um grande grito.