Página:O Mysterio da Estrada de Cintra (1894).pdf/104

Wikisource, a biblioteca livre

VI

 

Dei um salto, corri á porta do beliche:

Stewart! Stewart!

Stewart,(Criado dos quartos.) apareceu esguedelhado, quasi nú.

— Que é? Estamos perdidos? Batemos n’um rochedo?

— Não sei. Não ha de ser nada, o navio é seguro.

Ouvia em cima marinheiros correndo, o movimento que se faz n’um perigo.

— Estamos perdidos, pensei eu, vestindo-me com uma precipitação angustiada.

A cada momento esperava ver o navio descer, afundar-se, e uma enorme onda pesada entrar, alagar a cabine.

Corri á tolda. Giravam lanternas. Quasi todos tinham subido: os vestidos brancos, os penteadores das mulheres, davam aos grupos um vago mais lugubre. A officialidade estava impassivel.

— Que foi? que foi? perguntei a alguem.

— Não se sabe, quebrou-se a machina. Mas temos sobre nós um terrivel vendaval...

— Estamos perdidos!

— O navio é seguro, respondeu o outro.

Ao lado diziam:

— O capitão devia deitar as lanchas ao mar.

O ceu estava limpo: luziam estrellas. O vento assobiava mais forte. O navio tinha aquella oscillação lugubre de bombordo a estibordo, que têem os grandes peixes mortos quando boiam ao cimo d’agua. Olhei os astros, o ceu impassivel, a agua negra, — e senti um immenso despreso pela vida.

Em roda de mim a cada instante ouvia-se versões contradictorias. Uns diziam que ficariamos á capa, esperando firmemente o mau tempo; outros que o navio estava perdido... Um official disse ao passar:

— Oh, senhores! isto não vale nada: concerta-se; já me aconteceu duas vezes d’Aden a Bombaim.

Não havia a menor confusão ; tudo continuava tão sereno