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costeei o muro do jardim, debrucei-me, espreitei, e vi Carmen. Estava só! Extrema surpreza!

— E el querido? perguntei-lhe eu rindo.

Ella voltou-se em sobresalto e perguntou-me com a voz agitada:

— Qual querido?

— O que entrou agora?

— Não entrou ninguem.

— Eu vi.

— Conheceu?

— Não, onde está?

— Abriu as asas, voou! disse ella rindo-se e affastando-se em direcção aos seus quartos.

— Diabo! pensei eu. É uma segunda edição da Torre de Nesle. Recebe-os, parte-os aos bocadinhos e enterra-os na areia!

No emtanto, tinha a curiosidade excitada. Alguem tinha entrado mysteriosamente, com uma chave falsa de certo, porque só o conde e eu tinhamos a chave d’aquella porta do jardim. Mas onde estava esse alguem? Teria entrado, e saído logo? N’esse caso não era uma entrevista d’amor! Mas se não era um segredo de coração, para que era o mysterio, a hora escura, o silencio, a chave falsa?

Alguem teria ficado escondido no jardim? Corri-o todo, arbusto por arbusto, jasmim por jasmim. Estava deserto.

Deitei-me preoccupado com aquella aventura. No outro dia, ao almoço, um criado em voz alta declarou que se tinha achado no jardim um pequeno punhal e que o hospede a quem elle pertencesse o reclamasse em baixo, no office. Era um punhal, de fórma curva como se usa no Hindustão. Tinha sido encontrado n’uma moita de buxo, de tal sorte que não parecia perdido, mas voluntariamente arremessado. Ninguem reclamou o punhal.

Tudo isto me causava uma singular curiosidade.

— Diabo! dizia eu commigo, estamos em terra italiana, apesar da policia ingleza, e é provavel que apesar da muita cerveja que habita Malta, ainda por ahi haja alguma agua tufana. Sejamos prudentes.

Na noite seguinte, pela uma hora, eu, sentado á minha secretaria, escrevia para Portugal, quando senti no corredor passos rapidos, e a porta abriu-se violentamente.

Abafei um grito de terror. De pé, á entrada do quarto, livida, com os cabellos desmanchados, um penteador branco cheio de sangue, estava a condessa.

— Que foi? bradei.