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XII

 

O medico, apressadamente chammado, declarou que não havia perigo. Carmen tinha tomado o veneno n’um preparado fraco, e n’uma porção diminuta. Podia porém receiar-se que a sua extrema susceptibilidade nervosa, a exaltação dos seus espiritos, provocassem uma febre cerebral. Mas, ao despontar do dia, adormeceu, vencida por uma prostração absoluta, em que a vida só se fazia sentir pelos ais soluçados que se lhe desprendiam do peito.

Fui então vêr a condessa. Não se tinha deitado. Ficára embrulhada n’um chale, sentada aos pés da cama, n’uma attitude absorta de dôr e de inercia que me encheu de piedade. Era dia. Mas as janellas conservavam-se fechadas, e as luzes ardiam melancolicamente. As jarras estavam cheias de flôres.

Sobre uma pequena mesa havia um serviço de chocolate, de porcelana azul, para duas pessoas. O chocolate tinha arrefecido, as flôres murchavam.

— Então? disse ella quando me viu.

— Então! elle está curado, e bom n’um mez. A condessa deve partir dentro de quinze dias.

— Ao menos quero dizer-lhe adeus... um momento, um instante que seja! Não me póde impedir isto: não m’o impeça, não?

— De modo algum, prima. Eu mesmo lh’o facilito.

— E ella?

— Ella, minha prima? Entrei no quarto d’ella para a arrastar ao primeiro policeman que passasse. Sahi jurando que em toda a parte aquella mulher me havia de achar a seu lado para a defender e, se ella o quizesse, para a amar.

— Tem talvez rasão. É uma verdadeira mulher.

— É mais do que isso, minha prima... Se alguma vez a paixão se encarnou n’este mundo n’um aspecto divino foi n’aquella mulher. É a deusa da paixão. De resto tem a grande qualidade: — a logica.

Eu, na realidade, tomara por Carmen uma grande admiração! Eu, que na sua saude e na sua belleza nunca lhe dissera uma palavra galante, era agora nas suas horas de dôr e doença, o seu fiel cavalliere serviente. Vi-a convalescer sob os meus cuidados: D. Nicazio tinha ido para