E era assim que a condessa gostava de a dizer, em logar d’usar as palavras italianas com a sua banalidade de libretto.
Houve outr’ora um rei de Thule A quem, em doce legado, Deixou a amante ao morrer Um copo d’ouro lavrado.
Eu ficara junto do piano, fumando. Rytmel, de pé, encostado á balaustrada, enlevado no penetrante encanto d’aquella canção, olhava a agua do tanque, onde tremia a claridade da lua, conservando a taça na mão.
Os dedos da condessa volteavam no teclado de marfim; e a sua voz continuava, triste como a propria ballada:
Sempre o rei achava n’elle Um sabor da antiga magoa, E se por elle bebia Tinha os olhos rasos d’agua.
— Não cante mais, disse Rytmel de repente, voltando-se.
Á luz da lua eu vi-lhe os olhos humidos como os do rei da canção, e na sua mão tremia a pequena chavena dourada.
Ella voltou para Rytmel um longo olhar triste, e a sua voz proseguiu, vibrando mais saudosa no silencio:
N’alta esplanada normanda Batida da fria onda Reune os seus irmãos d’armas A uma tavola-redonda...
Parou com as mãos esquecidas sobre o teclado:
— Foi talvez como n’uma noite d’estas, disse ella. Estamos em plena legenda. O terraço batido da agua, a lua, os velhos amigos reunidos, a lembrança da pobre amante, que se apaga na memoria d’elle, o presentimento da morte... Que linda noite para o rei atirar a sua taça ao mar!
E cantou os derradeiros versos da ballada:
Foi-se com tremulos passos Na amurada debruçar... E com as suas mãos antigas Atirou a taça ao mar!
Junto ao seu corpo real Estão os pagens a velar E a taça vae viajando Por sobre as aguas do mar...